Ernesto Bozzano

 

por Ernesto Bozzano

No interesse de seus leitores a International Psychic Gazette, de Londres, pediu-me um estudo autobiográfico, em que, acima de tudo, relate as circunstâncias que me levaram a interessar-me pelas pesquisas psíquicas. Acedo de boa vontade ao pedido, reconhecendo que a história das conversões filosóficas contém sempre ensinos valiosos para os que a lêem.

Digo “conversões filosóficas” muito de intento, porque a minha o foi na mais ampla expressão do termo.

Nasci em Gênova, Itália, em 1862 e a minha vida carece literalmente de episódios biográficos, pois tem sido a de um ermitão.

Nunca fiz outra coisa senão estudar. Na mocidade, todos os ramos do conhecimento, atinentes às artes e ciências, exerceram igualmente irresistível fascinação sobre mim, tornando-me até difícil seguir um caminho na vida. Decidi-me, finalmente, pela Filosofia e Herbert Spencer foi o meu ídolo.

Tornei-me um positivista-materialista convicto a tal ponto que me parecia incrível existissem pessoas de cultura intelectual, dotadas normalmente de senso comum, que pudessem crer na existência ou na sobrevivência do espírito. Não somente pensava assim como até escrevia audaciosos artigos em apoio de minhas convicções. A lembrança de tal proceder me faz indulgente e tolerante para com uma classe particular de antagonistas que, de boa fé, sustentam ser capazes de refutar as rigorosas conclusões experimentais a que tem chegado o néo-espiritualismo, opondo-me às induções e deduções da Psico-Fisiologia, nas quais eu acreditava há 40 anos passados.

É preciso que se compreenda que, nos tempos a que me refiro, eu nada conhecia das investigações mediúnicas ou do Espiritismo, com exceção de breves artigos que eu lia nos jornais, sem lhes prestar maior atenção e nos quais se apontavam estratagemas de médiuns e se comentava piedosamente a credulidade dos espíritas.

Aconteceu, porém, que, no ano de 1891, o professor Th. Ribot, diretor da Revue Philosophique, me escreveu comunicando a próxima publicação de uma nova revista sob o título de Annales des Sciences Psychiques, tendo como diretor o Dr. Darieux, antecessor do professor Charles Richet. Era uma revista que se propunha principalmente a colher e investigar certos casos curiosos de transmissão de pensamentos à distância, compreendidos sob a denominação de “fenômenos telepáticos”.

A misteriosa psicologia, oculta nestas frases, me atraiu a curiosidade, do mesmo modo que o nome do prof. Richet bastava para garantir a seriedade científica do empreendimento. Respondi ao prof. Ribot, agradecendo-lhe a atenção e incluindo-me entre os assinantes da revista.

Devo sinceramente declarar que a leitura dos seus primeiros números produziu desastrosa impressão sobre o meu irreconciliável “criterium” positivista. Parecia-me escandaloso que certos representantes da ciência oficial quisessem discutir seriamente a transmissão de pensamento de um continente a outro, as aparições de fantasmas telepáticos, como entidades reais, e casos atuais de assombração. O inibitivo poder das preconcepções tornara a minha faculdade de raciocinar inteiramente inacessível a tais ideias novas, ou, melhor, a tais fatos novos, pois realmente se tratava de fatos demonstrados cientificamente e rigorosamente documentados, embora eu não estivesse habilitado a assimilá-los. Quando ainda era este o meu estado mental, apareceu, na Revue Philosophique, longo artigo do prof. Rosenbach, de São Petersburg, Rússia, atacando com violência, a “sacrílega intromissão deste novo misticismo” nos recintos da Psicologia oficial e explicando os novos casos pelas hipóteses da “alucinação”, das “coincidências fortuitas” e mais algumas de que não me lembro.

Tais refutações me pareceram tão deficientes e inábeis a produzir efeito contrário ao que me repugnava à mente, como o autor pretendia, que me convenci de que a questão era realmente de fatos. Em consequência, julguei o prof. Rosenbach incapaz de combatê-las simplesmente com ideias preconcebidas.

Aconteceu assim que refutações desastradas de um dos meus correligionários, aferrado à sua crença positivista, me fizeram dar o primeiro passo para a nova Ciência da Alma, à qual viria depois a consagrar a minha vida1.

No número seguinte da Revue Philosophique apareceu, felizmente, um artigo do prof. Richet, em que as argumentações superficiais do prof. Rosenbach foram refutadas ponto por ponto. Esse artigo aumentou extraordinariamente as minhas convicções quanto à realidade dos fatos e quanto ao mistério em que a explicação deles estava envolta. Nesse mesmo ano, da lavra do Sr. Marillier, apareceu uma versão, em francês, do famoso livro Phantasms of the Living (por Gurney, Myers e Podmore) sob o título de Hallucionations Telepathiques, tradução que adquiri incontinente e que serviu definitivamente para me convencer da realidade dos fenômenos telepáticos. Faço notar que esse convencimento meu em nada alterou a minha crença positivista, porque a explicação cientifica, então em voga, dos fenômenos, explicação segundo a qual eles derivam do pensamento a caminhar pelo infinito em ondas concêntricas, satisfazia inteiramente ao meu juízo científico.

Não obstante, eu havia dado, com segurança, sem o saber, um grande passo na estrada de Damasco, porque essa primeira concessão a respeito das manifestações supranormais me colocara irrevogavelmente num novo campo de pesquisas, que iriam conduzir-me em direção oposta à do Positivismo materialista que eu professava. De fato, não tardei a chegar a um período de crise na minha consciência científica. Foi a obra de Alexandre Aksakof “Animismo e Espiritismo” a causa dessa crise, abalando profundamente os alicerces de minha crença positivista.

Seguiu-se para mim uma época de perturbação moral, pois que, embora o novo caminho se orientasse no sentido de uma fé científica mais confortadora, não é sem desalento que assistimos à demolição do sistema completo de nossas convicções filosóficas, adquiridas à custa de meditações acuradas e de perseverantes esforços intelectuais.

No aludido período, li várias obras metapsíquicas, de autores então afamados, as de Kardec, Delanne, Denis, d’Assier, Nus, Crookes, Brofferio, du Prel, porém não custei a verificar que quem desejasse realizar trabalhos científicos úteis, nesse novo campo de pesquisas, teria de remontar às origens do movimento espírita. Consequentemente, escrevi para Londres e New York a fim de obter as principais publicações datando do começo do movimento até 1870 e, à chegada dos livros pedidos, abriu-se para mim o período realmente frutuoso das investigações sistemáticas no vasto terreno do metapsiquismo.

Catalogava cada obra que lia, anotando os respectivos assuntos por ordem alfabética adequada com a intenção de os utilizar para a classificação comparativa e a análise dos fatos e casos. A excelência de semelhante método de investigação ficou de tal modo provada, que continuo a empregá-lo até à presente data. Guardo imorredoura lembrança desse período de fervorosas e perseverantes pesquisas, porque, por meio delas, me tornei capaz de assentar as minhas novas convicções espíritas sobre uma base cientificamente inabalável.

Entre as obras que mais me influenciaram para a adoção de meu novo ponto de vista, mencionarei as seguintes:

Robert Dale Owen: Footfalls on the Boundary of another World e The Debatable Land between this World and the Next.

Epes Sargent: Planchette, the Despair of Science.

Sra. De Morgan: From Matter to Spirit.

Dr. N.B. Wolfe: Startling Facts in Modern Spiritualism.

É verdadeiramente deplorável que tais obras, há muito impressas, não fossem reeditadas na Inglaterra e na América, desde que conservam intactos sua frescura e seu valor. Quanto à história do movimento espírita, o livro da Sra. Ema Hardinget Britten Modern American Spiritualism, me foi de grande ajuda pelo que concerne à história dos precursores neste mesmo campo, colhi grande resultado da obra em dois volumes de William Howit History of Supernatural.

Do ponto de vista da fenomenologia mediúnica e de efeitos físicos, as atas, redigidas, pela Sra. Speer, das sessões experimentais com William Stainton Moses foram as que produziram maior efeito persuasivo sobre as minhas convicções, em virtude da intervenção do espírito na fenomenologia, demonstradas nos comentários da Light de 1892 a 1893.

Fiquei assim apto a formar para mim mesmo um sólido conhecimento científico, tirado dos argumentos. Entendi, porém, que chegara o momento em que deveria confirmar os meus conhecimentos teóricos com investigações experimentais.

Entrementes, por aquela misteriosa lei que une uma pessoa a outra pela afinidade das aspirações e tendências, encontrei várias pessoas que se ocupavam a sério com pesquisas mediúnicas, entre as quais menciono o Dr. Giuseppe Venzano, o Cavº Carlo Peretti e Luigi Arnaldo Vassallo, editor do Século XIV.

Tivemos a boa sorte de descobrir, no nosso próprio grupo, dois médiuns poderosos de efeitos físicos e mentais, com o auxílio dos quais obtivemos manifestações de todos os gêneros: fortes pancadas a distância, luzes, transportes de objetos pesados e provas de identidade dos espíritos.

Realizaram-se então as experiências com Eusápia Paladino, nas quais o prof. Eurico Morselli tomou parte e maravilhosos resultados foram conseguidos. Vimos materializações completas de espíritos, observados à luz de um bico de gás Auer, enquanto o médium fazia no gabinete, atado pelos braços, pernas e cintura a uma cama de campanha. As experiências anteriores, relatei-as em meu livro Ipotesi Spiritica e Teorie Scientifiche e o prof. Morselli fez outro tanto em sua obra Psicologia e Spiritismo.

Aqui termino as minhas memórias, lembrando, que o que se me pediu foi que esboçasse a narrativa dos primeiros passos por mim dados no caminho que me conduziu às convicções espíritas que atualmente possuo.

Termino, fazendo notar que as minhas convicções amadureceram lentamente, no curso, não pequeno, de 40 anos de pesquisas em que perseverei, empreendidas que foram sem ideias preconcebidas de qualquer espécie, dai o me sentir no direito de manifestar abertamente a minha crença na significação e importância de tais investigações a que devotei grande parte de minha vidAquele que, em vez de se perder em discussões ociosas, empreende sistemáticas e aprofundadas pesquisas dos fenômenos metapsíquicos e nelas persevera por muitos anos, acumulando imenso material de casos e aplicando-lhe os métodos das investigações científicas, há de infalivelmente ficar convencido de que os fenômenos metapsíquicos constituem admirável coletânea de provas, todas convergindo para um centro: a demonstração rigorosamente científica da existência e da sobrevivência do espírito. Esta é a minha convicção inabalável e nutro a esperança de que o tempo se encarregará de demonstrar que tenho razão.

Notas

1 Bozzano escreveu esta autobiografia em 1930. Seu primeiro artigo é de 1901 e ele escreveu até 1940.

 

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