Walace Neves

Aos cinco anos, Walace Fernando Neves já participava do evangelho no lar, uma tradição espírita, que era capitaneada por seu pai. Mas foi entre as décadas de 60 e 70 que sua mediunidade se manifestou. Em 2002, ele psicografou um livro – O contador de histórias – ditado pelo espírito de Malba Tahan, conhecido por uma de suas famosas obras: “O homem que calculava”. A parceria foi semelhante às muitas registradas por Chico Xavier, que psicografou mais de 400 obras. O médium mais famoso do Brasil foi seu amigo e padrinho de casamento. A seu convite, atuou em algumas sessões espíritas de cura, ao lado de outro médium de expressão, o cachoeirense Júlio César Grandi Ribeiro, especialista na mediunidade de efeitos físicos, já falecido. Abaixo, ele relata o que é o processo de psicografia, um dom raro, exercido por poucos dentre os 22 mil espíritas do Estado.

O senhor é um dos poucos médiuns no Estado que psicografou e publicou um livro. Qual espírito o ditou?
Malba Tahan. O livro é o Contador de Histórias, que teve sua primeira edição em 2002, com cinco mil exemplares.

Já o conhecia?
Sim. Na década de 70, o professor Júlio César de Melo e Souza, cujo pseudônimo era Malba Tahan, deu vários cursos em Vitória e ficamos amigos. Em 1974 veio a falecer. Alguns anos depois, numa reunião mediúnica, começou a escrever histórias interessantes e bonitas. Não sabia quem era até ver a assinatura. Houve uma grande identificação e ele retornou nas reuniões seguintes. Mas por questões pessoais, parei de frequentar as reuniões.

Quando voltaram a se encontrar?
Após 20 anos. Veja a paciência do espírito, o saber esperar. Minha esposa preparava uma palestra sobre a paz e precisava de material sobre o assunto. Nada encontrei. À noite, senti vontade de escrever, e não parei mais. Malba me ditou uma história completa sobre a paz. Em outra ocasião, escreveu por mim e para mim, dizendo que gostaria de continuar o trabalho educativo, agora sob a ótica de espírito, se eu aceitasse.

Malba Tahan era espírita?
Não, espiritualista.

Como teve certeza de que era ele e não o senhor a escrever?
Pela velocidade com que as ideias são ditadas e interrompidas, e quando isso acontece não consigo mais escrever. Além disso, a forma como o espírito se manifesta, suas ideias e sua coerência são diferentes da minha. É um processo intuitivo que te dá certeza imediata.

O que sente durante o processo?
Nada. Só um alegria por sentir aquela pessoa presente em meu ser, numa espécie de invasão que aceitamos plenamente. Como os textos vêm em partes, para que meu corpo tenha tempo para descansar, há vontade de querer saber o resto da história. (risos)

Seu espírito fica ausente durante o processo?
Não. Algumas pessoas têm a mediunidade sonambúlica e ficam completamente ausentes até o trabalho ser concluído. Em outras o processo é mecânico. Conversam enquanto um de seus braços escreve, independente da sua vontade.

E qual a forma de sua mediunidade ?
Semimecânica. Tenho consciência do que escrevo. Às vezes vejo as cenas que estão ocorrendo na narrativa e até as seguintes ao que estou escrevendo. Em outras, não sei nada, não vejo nada. Muitas vezes tenho consciência de que algumas palavras não estão corretas, mas não há tempo para consertar. Posteriormente recebo as mudanças. Trechos inteiros são alterados porque captei de modo diferente. Porque o espírito precisa encontrar vocabulário na cabeça do médium, se não houver, a fidelidade, a qualidade do seu trabalho não aparece em toda a sua plenitude.

Como explicar casos como o de Chico Xavier, que só tinha a 4ª série e psicografou obras atribuídas a grandes autores?
O próprio Chico dizia que era como um vidro de perfume, que depois de receber tanto aroma, tinha ficado com um cheirinho. Há médiuns que manifestam a xenoglossia, psicografam em línguas estrangeiras sendo analfabetos. É a bagagem trazida de uma outra vida em sua estrutura espiritual. Porque ninguém tira água de um poço vazio. Nesse aspecto não há milagres.

A mediunidade é uma capacidade só de alguns?
Em princípio todos são médiuns e podem ter uma relação com o mundo espiritual. Quando ora, pede ajuda aos santos de devoção, está usando as próprias energias psíquicas para entrar em relação com outro ser que já não está mais no mundo terreno. Agora, isso não quer dizer que todos vão exercer a comunicabilidade com os espíritos. A não ser que possua um dom natural e espontâneo, como o de algumas pessoas.

Existem outras formas de comunicação com o espírito?
O que tem havido é a chamada transcomunicação instrumental, onde o contato é feito a partir de aparelhos de vídeo e áudio. Mas pelo que tenho observado, é preciso haver intermediação para que se estabeleça um contato entre o mundo espiritual e o terreno. E o homem é o único que possui as características físicas dos dois planos: o espírito e a matéria. É um veículo próprio para estabelecer um processo de relação.

Malba voltou a procurá-lo?
Há alguns anos voltou com o início de uma história e outros livros estão no início de psicografia, mas a minha disponibilidade ainda não tem permitido. E isso os espíritos sempre respeitam.

A arte e a mediunidade

Experiência em Artes. Walace Fernando Neves nasceu em Santa Leopoldina, em julho de 1940. Formado em Decoração, foi professor do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e desenhista da Vale. Desde 1992 está aposentado

Amigo escritor. Em 2002 publicou “O Contador de Histórias”. A obra foi psicografada pelo espírito de Malba Tahan. Era o pseudônimo do professor de Matemática e escritor Júlio César de Melo e Souza, autor de “O Homem que sabia contar”.

Chico Xavier. O mais famoso médium brasileiro foi seu padrinho de casamento. Com ele atuou em algumas sessões, a pedido do próprio Chico

Sinfonia. Em homenagem ao centenário de Chico Xavier, Walace psicografou uma sinfonia – “Chico Xavier – Tributo ao Espírito da Verdade” -, que será apresentada no próximo dia 5, no colégio Marista, VV, pela Orquestra Sinfônica do Estado. Ingressos vendidos na Federação Espírita, na Ilha de Santa Maria. Tel.:3222-7551

Scroll to Top